
Acordei mais cedo que o normal. Apesar de ser um domingo, a corrida de F1 não foi o motivo. Nunca fui um fã da modalidade, portanto esse ritual dominical não fazia - nem faz - parte do meu fim de semana. Mas acho que ouvi meu pai ligando a TV, ou coisa parecida, e resolvi levantar.
A minha última preocupação era a corrida. Naquele ano, as coisas não andavam boas para os brasileiros. Ayrton Senna, depois de muito insistir, conseguira sua vaga na Williams (já naqueles tempos, de nada adiantava ser o melhor piloto se você não tivesse o melhor carro), mas após duas corridas o piloto ainda não somava pontos, apesar das duas poles. O estreante Rubens Barrichello estava fora da etapa em questão, San Marino, devido a um terrível acidente durante os treinos.
Naquela manhã, a minha preocupação era outra: São Paulo e Palmeiras se enfrentariam no Morumbi e decidiriam o Campeonato Paulista. Não era a final, já que a disputa daquele ano era por pontos corridos, mas o vencedor do jogo da tarde abriria vantagem sobre o rival e fatalmente seria o campeão. E o Tricolor, então atual Bi-Campeão Mundial, não poderia deixar o 'Palmeiras-Parmalat' vencer mais um campeonato (essa era a visão de um adolescente de 15 anos). Com o ingresso na mão, contava as horas para o jogo.
Portanto, a prova de F1 não foi a causadora das horas a menos de sono. Afinal, seria apenas mais uma corrida...
Entrei na sala, meu pai sentado no sofá e a TV mostrava os carros perfilados na pista. Dei bom dia, sentei, e segundos depois a largada foi dada. Senna na frente - sua 65
a pole position da carreira - seguido de perto pela jovem promessa alemã Michael Schumacher. Um pequeno acidente, uma re-largada, e poucas voltas depois, o acidente.
A imagem da Williams se arrebentando contra o muro foi, por si só, impressionante. Corrida parada, Senna imóvel dentro do carro. O curioso foi que, mesmo com a violência das imagens, não fiquei preocupado. Em nenhum momento achei que algo de mais grave iria acontecer, tanto que fui tomar café da manhã. O piloto daquele carro não era qualquer um, mas Ayrton Senna.
Os minutos passaram e as notícias começaram a chegar. Más notícias.
O estado do piloto não era bom.
Cirurgia.
Apreensão.
Morte cerebral.
O impensável acontecera, e Ayrton Senna estava praticamente morto.
Um dos meus amigos desistiu de ir no jogo, mas ainda restou outro que topou. Quando saí de casa, a morte de Senna era ainda provável, mas não fato consumado. O que aconteceu logo depois.
Pela primeira - e única - vez na minha vida presenciei duas torcidas rivais cantando a mesma coisa dentro do estádio. Antes do início da partida, os gritos de "
Olê, olê, olê, olá, Senna, Senna" eram uníssonos. Por alguns minutos, rivais se juntaram na dor de uma perda, até então, impossível. E irreparável.
A bola rolou, o São Paulo perdeu (um jogo memorável), mas acho que mesmo palmeirenses, após breve momento de euforia, voltaram à realidade momentos após a partida.
Mesmo quem não era fã de Fómula 1 sentiu o baque. Acredito que até aqueles que tomaram as dores de Piquet, na notória inimizade entre os pilotos, ficaram chocados.
A F1 nunca mais seria a mesma. Talvez nem o Brasil tenha continuado igual, visto a comoção que varreu o país durante a semana seguinte.
Ídolos surgem e somem, invariavelmente, um após o outro.
Mas não é todo dia que vemos, ao vivo, o surgimento de um mito.