sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Negócios


Foi apresentado ontem na ESPN o documentário "King´s Ransom", da série "30 for 30", que comemora os 30 anos da emissora norte-americana. Cada um dos filmes traz um fato marcante do esporte no período, e este de ontem mostrou a polêmica transferência de Wayne Gretzky, lenda do Edmonton Oilers para o Los Angeles Kings, em 1988.

O canadense acabara de se sagrar tetracampeão da Stanley Cup e Gretzky era o principal jogador da equipe, ídolo do país e já considerado aos 27 anos de idade o maior jogador do esporte da história - rótulo que carrega até hoje.

Em dois anos, Gretzky teria passe livre e poderia se transferir para qualquer clube sem pagar nada aos Oilers. O dono do time na época, Peter Pocklington, viu-se num dilema: manter o contrato vigente, renegociá-lo por uma quantia enorme de dinheiro ou vender o jogador e transformar essa transação em um aporte de capital enorme para a franquia.

A primeira opção seria a melhor, financeiramente falando, no curto prazo. Teria boas possibilidades de vencer mais dois campeonatos sem precisar por a mão no bolso. A segunda representaria a permanência de Gretzky no único time que havia jogado desde então por, provavelmente, o resto de sua carreira e uma ótima imagem perante os torcedores dos Oilers. O custo da brincadeira, entretanto, poderia ser proibitivo para um time de uma pequena cidade canadense. Inclusive, Gretzky já havia mostrado "má-vontade" no assunto renegociação.

Pocklington, relutante até o último minuto, vendeu Wayne Gretzky ao Los Angeles Kings por US 15 milhões (uma cifra absurda para a época), cinco escolhas no draft e mais dois jogadores. Numa analogia ao futebol brasileiro, seria o mesmo que o Santos vender Pelé ao Bangu em 1967.

Até ameaça de morte Pocklington recebeu dos dóceis e insossos canadenses.

Como torcedor, o dono da franquia estava arrasado. Mas havia tomado a decisão correta para alguém que, além de torcedor, administrava o time. Conseguiu rejuvenescer a equipe e venceu outra Stanley Cup alguns anos depois. Gretzky ficou ainda mais rico, deu relevância ao inexpressivo Kings mas nunca mais sagrou-se campeão da NHL.

Hoje, o jogador mostra uma ponta de arrependimento com a mudança; Pocklinton, não. Em comum, ambos reconhecem que foi a coisa certa a ser feita na ocasião.

E daí você pergunta: muito legal, história linda, mas o que isso tem a ver com nosso esporte brasilis?

Respondo: o São Paulo acabou de anunciar que o zagueiro Miranda, um dos melhores da sua geração, irá para o Atlético de Madrid no meio do ano. Com o contrato vencido, o time do Morumbi não ganhará um centavo com a negociação.

Conforme foi anunciado pela mídia ano passado, o zagueiro recusara proposta de U$ 20 milhões do Wolfsburg, em janeiro, para transferir-se para o futebol alemão. Pensava que ficando no Brasil teria mais chances de disputar a Copa de 2010. A decisão foi louvada pela Diretoria Tricolor. Não foi convocado, não se valorizou e não teve mais nenhuma proposta relevante.

Meu amigo, US 20 milhões por um zagueiro? Assina o contrato sem ler e deseja muito boa sorte. Seja ele quem for. E se não quiser ir, problema dele. Assim como jogador de futebol se dá ao direito de romper qualquer contrato por "não estar feliz", também deve aceitar ser negociado contra sua vontade (ou deposita o valor da multa e vai pra onde quiser).

(Como diria Michael Corleone: "It´s not personal, it´s strictly business.")

Mas, e a torcida? Como fica?

A torcida até terá o direito de xingar, protestar. Da arquibancada, que é o seu lugar. Esse é o papel da torcida, pois ela não paga contas, não negocia contratos, somente torce.

Quem administra um clube de futebol não pode ser apenas um torcedor em posição privilegiada. Ter amor ao clube (ou pelo menos ao esporte) é fundamental para que se conheça bem o negócio e como pensam seus consumidores (os torcedores). Só que as decisões de negócio não podem ser tomadas das cativas, após uma vitória ou derrota.

Jogando pra torcida, e como torcida, os dirigentes são-paulinos terminaram sem o zagueiro, sem títulos - já que o São Paulo não ganhou nada em 2010 - e US 20 milhões mais pobres.

Excelente negócio.

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