quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Tragédia iminente

A coisa começou a ficar feia pouco mais de 15 anos atrás. Naquela época, a arquibancada do Morumbi não era dividida em setores, sendo a separação entre torcidas feita por cordões humanos de PMs. Ficava um clima de tensão no ar durante todo o jogo, e fora do estádio os confrontos eram tão certos quanto os sanduíches de pernil. Nunca vou me esquecer da história do pai que, levando o filho pela mão em algum clássico de São Paulo, pisou em uma lata de refrigerante que estava chão. Esta era na verdade uma bomba, e esse pai teve seu pé amputado, ou perto disso.

Nessa época, porém, os problemas de brigas entre torcidas organizadas era mais concentrado no eixo Rio-São Paulo. Não havia jogo sem que algum caso mais grave ocorresse. Até que numa tarde de agosto de 1995, uma batalha campal no Pacaembu entre palmeirenses e são-paulinos - em um jogo de juniores - terminou com morte, feridos, e medidas drásticas das autoridades. As maiores torcidas organizadas da cidade foram banidas do futebol. Bandeiras, surdos e camisas proibidos de entrar nos estádios, assim como a venda de bebidas alcóolicas. Por certo tempo, até que a situação melhorou um pouco. Mas o vírus já tinha se espalhado, sem que uma vacina fosse desenvolvida.

Hoje, por todo o país, a questão da violência nos estádios fica cada vez mais fora de controle. Na capital paulista, o problema nem é tanto nos arredores dos estádios, mas em estações de metrô a quilômetros de distância - o advento da internet e comunidades virtuais serve como meio de comunicação para vândalos marcarem seus confrontos. No Rio, grupos ligados aos comandos das drogas expandiram seus "teatros de operações" para o Maracanã, e até estádios fora da cidade (como já abordado por este blog). Facções neonazistas infiltraram-se na torcida gremista. O clássico mais bonito do Brasil, outrora livre dessa praga, não é mais realizado sem a troca de pauladas e tiros entre atleticanos e cruzeirenses. Até os jogos do Nordeste, reconhecidos por seus grandes públicos e climas festivos, já foram tomados pela violência.

Isso para não falar em atos isolados de torcidas contra seus próprios times. No ano passado, jogadores do Coritiba chegaram às vias de fato com torcedores revoltados em pleno aeroporto. Os botafoguenses, inconformados com a derrota para o River Plate na semana passada, mancharam a bonita história recente de reestruturação do Fogão. Com a eliminação da Libertadores de 2006, também para o River, corintianos protagonizaram uma das cenas mais impressionantes que eu já vi em quase 29 anos de futebol, e graças a uma dúzia de bravos PMs, não presenciamos uma tragédia ao vivo em rede nacional.

O ponto é que a violência está longe de ter um fim, por maiores os esforços da polícia e (supostas) atitudes das autoridades. E ao invés de dirigentes agirem de forma a abolir esses bandidos dos estádios, ficam cada vez mais reféns dos mesmos. Basta ver o diálogo entre torcedores do Botafogo e o Vice-Presidente do clube, Carlos Augusto Montenegro, na semana passada. Por apoio a candidaturas e projetos paralelos, dirigentes se aproximam dessa corja através de concessão de ingressos, acessos e até dinheiro; em troca, os tais torcedores prometem empurrar os times das arquibancadas. E uma relação que poderia ser justificável acaba tendo contornos de oportunismo e, sendo mais sinistro, terrorismo.

Essa relação, enraizada na maioria dos clubes do Brasil, já deu suas crias. No último fim de semana, o treinador da categoria Sub-14 do Palmeiras, Márcio Vicente Rodrigues, foi agredido por um pai inconformado pelo fato de ver seu filho sacado durante uma partida. Assustado e com três costelas quebradas, o treinador resolveu não prestar queixa e foi remanejado para a categoria Sub-15. Nome do agressor: Paulo Serdan, Presidente da Mancha Verde no início dos anos 90 - aqueles tempos narrados no início do texto. Mesmo estando no olho do furacão dos eventos da época, o "dirigente" virou sócio do Palmeiras e, segundo informações da Rádio Jovem Pan, teve inclusive isenção de taxas para se associar ao clube.

Os clubes criaram deliquentes e agora não sabem como lidar com eles. Quem paga o preço somos nós, torcedores comuns e de bem. De uma guerra previsível, que parece não ter fim. Já vimos tragédias acontecerem, aqui e lá fora, mas ainda não aprendemos a lição.

Assim como tivemos que ver aviões caindo do céu para que as autoridades resolvessem assumir a já deflagrada crise área, talvez tenhamos de esperar a nossa Heysel particular para que, de uma vez por todas, nos livremos desse mal.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ótima matéria e triste realidade.
Parabéns.