terça-feira, 6 de janeiro de 2009

E a roda gira...

Ano novo, vida velha. Nem bem começou 2009 e o esporte brasileiro já dá mostras de que continua insistindo em velhas práticas e na ausência de um planejamento consistente - se é que existe qualquer tipo de planejamento.

Uma das manchetes do UOL de hoje foi "Fla planeja corte de verba e pode deixar Hypólitos e Jade desempregados". Muito previsível, visto que, além do clube ser devedor de quase R$ 200 milhões apenas para a União, estamos no ano seguinte ao das Olimpíadas - e, consequentemente, a três dos próximos jogos. Manter na folha atletas que darão pouco retorno de imagem ao clube (ainda que este tal retorno seja, independentemente de qualquer coisa, mal explorado) não está nos planos de qualquer dirigente, sendo preferível "investir" em jogadores para o campeonato estadual.

Se fosse só isso, até daria para aceitar, já que entidades privadas não têm necessariamente tal obrigação. Porém, outro ponto da reportagem chama a atenção: "O corte, entretanto, também é visto como uma cartada da diretoria para pressionar o presidente Lula a assinar uma medida provisória que retardaria o pagamento das dívidas dos clubes com o governo federal com recursos provenientes da Timemania." Ou seja: o maior devedor dentre os clubes de futebol brasileiro ameaça o governo com o desemprego de atletas, pois a forma encontrada para anistiá-lo de suas dívidas não vem dando resultado.

Ser devedor desta montanha de dinheiro já está errado, o governo inventar a Timemania (do modo como foi feita) também, e quem não tem nada a ver com a história paga o pato.

Até aqui, nenhuma surpresa.

Como também não surpreende o fato de a Golden Cross, principal patrocinadora de Diego Hypólito, também ter anunciado que não renovará o patrocício ao atleta, devido a "uma nova estratégia de marketing", como conta a mesma reportagem. A empresa de planos de saúde, inclusive, não continuará como patrocinadora do próprio COB. Claro, marketing esportivo no Brasil envolve comerciais na Globo e marca na camisa - apenas de times de futebol, obviamente. E, com a proximidade dos Jogos Olímpicos, aqueles poucos atletas com chance de medalha acabam ficando com alguns trocados. Como 2009 não se enquadra neste último caso, azar deles.

Sei que isso não acontece em 100% dos casos. E, de novo, digo que o apoio a atletas não é responsabilidade de empresas privadas. Estas buscam o lucro, e se determinada ação não ajudar a alcançá-lo, não há porque implementá-la.

Quem deveria pensar em soluções para o problema é o Governo. Mas, ao invés disto, nosso Ministério dos Esportes toma decisões como a que trouxe hoje o jornal Folha de São Paulo, em matéria reproduzida na íntegra abaixo (os grifos são meus):

"Dono da Traffic agora defende esporte do país

Ministro põe J.Hawilla, parceiro do Palmeiras, no Conselho Nacional de Esporte

Ministério admite que nomeação pode gerar polêmica, mas diz que reforça "democracia" do órgão, já que ele reúne pessoas de diversos setores

RICARDO PERRONE
DO PAINEL FC
GIULIANA BIANCCONI
DA REPORTAGEM LOCAL

No final do ano em que se consolidou como uma das pessoas mais influentes do futebol brasileiro, J. Hawilla, o dono da Traffic, parceira do Palmeiras, foi nomeado conselheiro do Ministério do Esporte.
No dia 19 de dezembro, o "Diário Oficial" da União publicou portaria do ministro Orlando Silva Jr. transformando o empresário, que também despejou milhões em outros clubes, em membro do CNE (Conselho Nacional de Esporte).
O órgão, diretamente ligado ao ministério, reúne gente de várias classes e entidades. Hawilla entrou como um dos seis "representantes do desporto nacional". A indicação desse sexteto é de responsabilidade exclusiva do ministro.
O grupo abriga 22 integrantes e tem entre seus deveres propor prioridades para a aplicação dos recursos do ministério, expedir diretrizes para o controle antidoping, emitir pareceres e recomendações sobre questões desportivas nacionais e aprovar mudanças nos códigos de Justiça Desportiva.
E o que o parceiro do Palmeiras, que construiu um império com placas de publicidade nos estádios e comandando meios de comunicação, tem a ver com essas questões do esporte?
"Pode ser uma indicação polêmica, mas todo conselho tem que ser democrático. Precisa ter representantes da iniciativa privada, do empresariado, do setor não público", afirmou Wadson Nathaniel Ribeiro, que ocupa interinamente o cargo de ministro do Esporte durante as férias de Silva Jr.
Polêmica a indicação já causou. Membros do STJD e do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo viram com estranheza a nomeação de um empresário para um órgão ligado ao governo federal.
O proprietário da Traffic entra no lugar de José Carlos Brunoro, ex-técnico de vôlei, que trabalhou na parceria Palmeiras/Parmalat e hoje é diretor do clube de futebol do Pão de Açúcar e dono de uma empresa de consultoria esportiva.
Ao saber pela reportagem sobre a indicação de Hawilla, Rinaldo Martorelli, presidente do sindicato dos atletas paulistas, ficou surpreso e afirmou: "O ministro está se perdendo".
"Não acho que o Conselho [Nacional de Esporte] precise de empresários ligados a negócios esportivos. Precisa de gente que entenda de esporte", completou Martorelli.
A indicação do empresário acontece no momento em que o STJD e parlamentares estudam medidas para conter avanços de empresas que agem em diversos clubes do país.
Além do Palmeiras, Corinthians, Fluminense, São Paulo e Vitória estão entre as equipes que têm jogadores da Traffic. A empresa também controla o Ituano e o Desportivo Brasil.
Como todos em seu meio, Hawilla terá amplo terreno para atuar na Copa de 2014, que será discutida pelo conselho.
Procurado pela Folha, o empresário falou por meio de sua assessoria de imprensa que estava no aeroporto e não poderia dar entrevista. Só confirmou que foi convidado pelo ministro e disse que não tomou posse porque não pôde ir ao DF no dia. Prometeu comparecer ao primeiro encontro do ano.
A nova ligação entre o ministério e Hawilla, amigo de longa data de Ricardo Teixeira, o presidente da CBF, é bem ao gosto da diretoria do Palmeiras, que já se orgulhava de ser próxima do governador José Serra, palmeirense, e de Marco Polo Del Nero, presidente da FPF e conselheiro do clube.
O ministro do Esporte também nomeou a ex-jogadora de vôlei Ana Moser, o ex-árbitro José de Assis Aragão, que vai para o segundo mandato seguido, e Alberto dos Santos Puga Barbosa, que entra no lugar de Eduardo de Rose, especialista em controle de dopagem.
Duas vagas sob a batuta de Silva Jr. estão abertas. Ele fez os convites e espera respostas."



Ou seja, botaram o gato para tomar conta do peixe. O conflito de interesses é tão óbvio que dispensa maiores comentários. Mas não há nada que um bom lobby não resolva em Brasília. Ainda mais se levarmos em conta que o futebol brasileiro atual virou "terra-de-ninguém", com a extinção do passe e o recente advento dos empresários, que cada vez mais abrem seus tentáculos sobre o mundo da bola. E ainda tem a Copa de 2014...

Não sou ingênuo para achar que tais coisas só acontecem no esporte. Ligações desse tipo acontecem em qualquer área, proporcionalmente ao volume de dinheiro envolvido.

Mas como cada macaco deve ficar no seu galho, e o meu é o esportivo, atenho-me a criticar algo que tenho mais conhecimento, e deixar as outras áreas para pessoas mais gabaritadas.

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