segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Da Folha

"Herança do Pan divide o governo e o COB

Ministério admite discrepância entre materiais esportivos comprados e o que tem sido usado, mas põe culpa no comitê

Entidade comandada por Nuzman diz que guarda equipamentos a pedido das confederações, que sofrem com a Prefeitura do Rio

EDUARDO OHATA
CRISTIANO CIPRIANO POMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

GUSTAVO ALVES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um dos maiores legados do Pan-2007, os equipamentos esportivos têm provocado dor de cabeça, confusão e esbarrado em burocracia para cumprir o fado de servir atletas e eventos.
Até hoje, 546 dias (1 ano, 5 meses e 27 dias) após os Jogos, parte dos cerca de 251 mil itens adquiridos para os eventos no Rio, que custaram mais de R$ 17 milhões aos cofres públicos, sofre com disputas ou então dorme em depósito à espera de catalogação ou pedido de uso.
Pior ainda é que os dois maiores responsáveis pela questão, o governo federal e o COB (Comitê Olímpico Brasileiro), principais articuladores da candidatura do Rio à Olimpíada de 2016, não falam hoje a mesma língua sobre o caso.
Enquanto o Ministério do Esporte justifica que, apesar de ter cedido os equipamentos do Pan ao COB -que os repassaria às confederações de cada modalidade-, ainda não conseguiu concluir a catalogação dos materiais, o comitê comandado por Carlos Arthur Nuzman informou à reportagem que os itens estão catalogados.
Com equipamentos importados e comprados sem licitação, a aparelhagem do Pan, pelo menos boa parte dela, chegou a ser utilizada na preparação dos atletas ao evento. Mas houve materiais que simplesmente ficaram guardados durante o torneio, como revelou relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) de setembro de 2008.
Não bastasse isso, aparelhagens se transformaram em alvo de queda-de-braço envolvendo a Prefeitura do Rio, o COB e entidades esportivas.
O imbróglio teve início logo depois de encerradas as competições do Pan, já que, apesar de alguns aparatos terem destino certo, outros foram simplesmente levados por dirigentes ou atletas ao final da participação da modalidade nos Jogos, como ocorreu com o beisebol.
"A gente foi esperto. Quando acabou, recolhemos tudo e trouxemos para o centro de treinos [em SP]. Ninguém falou nada até pelo fato de como a competição terminou [chuvas e despreparo do local das partidas atrapalharam o torneio]", disse Jorge Otsuka, presidente da confederação de beisebol.
Mas nem tudo foi de forma tão simples como no beisebol.
O boxe foi um dos alvos da Prefeitura do Rio, que passou a cobrar a devolução de todo o material acima de R$ 300.
"Pelo que entendi, o COB até tentou convencer a prefeitura a deixar o equipamento com as confederações. Mas ela disse não e alegou que era exigência da cláusula de convênio firmado com o comitê", afirmou Luis Claudio Boselli, ex-presidente da CBB, que ainda guarda o ofício da administração municipal cobrando os materiais.
De acordo com Boselli, o material da modalidade consistia em sacos de pancada, luvas e punching ball e acabou doado a academias carentes. E só não foi retirado desses locais, afirma ele, após ameaça de chamar a imprensa para registrar a retomada dos equipamentos. "Eles querem que tudo fique dentro do almoxarifado."
Problemas semelhantes viveram os saltos ornamentais. Após absorver parte da aparelhagem adquirida para a modalidade no parque aquático Julio Dellamare, a supervisora Alice Kohler diz também ter recebido carta da prefeitura avisando que o material seria retirado.
"Quando tirarem o que eu tenho, só sobrará material velho. A prefeitura não tem escolinha de saltos ornamentais. Não sei onde iriam utilizar isso", disse.
À época na prefeitura, Cesar Maia dizia desconhecer a cobrança, alegando, porém, que sua administração "investiu R$ 1 bilhão em materiais, funcionamento e estrutura do Pan".
A atual administração da cidade, na mão de Eduardo Paes, após seguidos contatos da Folha, não quis comentar o caso.
Hoje detentor da maior parte dos equipamentos, o COB diz que só mantém os aparelhos sob sua guarda, alojados em dois depósitos no Rio, "devido ao fato de que algumas confederações não possuem local apropriado para o armazenamento". E que eles não correm risco de depreciação.
Diretores de entidades ouvidas pela reportagem, porém, contestam, e algumas federações dizem ser muito difícil contar com o equipamento devido à burocracia -teria de se reportar primeiro à confederação, que contataria o comitê.
Outro ponto dissonante entre COB e Ministério do Esporte está relacionado ao apontamento feito pelo TCU de que houve equipamentos que não foram utilizados no Pan, como 31 dardos, 90 varas e o material de proteção usado no taekwondo, que chegaram com a competição já em andamento.
O ministério, que firmou cinco convênios com o COB de 2003 a 2007 para a compra dos materiais, justificou os itens parados pelo fato "de muitos atletas preferirem utilizar seus próprios apetrechos".
Já o comitê alega que "todo o equipamento comprado para o Rio-2007 foi utilizado, tenha sido para o evento ou para o desenvolvimento do esporte brasileiro". E ainda que cedeu materiais às suas filiadas por meio de comodato (empréstimo sem ônus, mas que deve ser restituído no tempo combinado).
Ricardo Leyser, secretário- -executivo do Comitê Gestor do governo para a Rio-2016, admite que há disparidade entre o que foi comprado e o que tem sido usado hoje. "A discrepância entre o que adquirimos e o que as confederações receberam existe porque nem tudo foi dirigido pelo COB às confederações, é esse levantamento que estamos fazendo. Se não achamos uma bicicleta ou um barco, temos de encontrar de qualquer jeito, descobrir se está com atleta, confederação...". Ou nos depósitos do COB."

Nota Esporte Brasilis: até quando teremos de ouvir as 'papagaiadas' do COB a respeito dos benefícios que os Jogos Olímpicos trarão para a cidade do Rio e o esporte brasileiro? Já está mais do que provado que os tais benefícios não existem, ou são gerados em magnitude infinitamente inferior aos gastos empreendidos. Acho incrível que, mesmo com vozes importantes se levantando contra esses descalabros administrativos do COB e do próprio Governo Federal, nada seja feito para impedir que o nosso dinheiro seja gasto desta maneira. Enquanto isso, governantes preferem se omitir, empurrando a responsabilidade para outros. Como o Eduardo Paes, atual Prefeito do Rio de Janeiro, que não respondeu à reportagem da Folha, como se não tivesse nada a ver com a história - apesar de, à época do Pan-2007, ser o Secretário de Esportes da cidade.


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