segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Discurso sobre o método

O quinto campeonato consecutivo por pontos corridos deveria estar sendo celebrado por clubes, jornalistas e torcedores como uma das melhores coisas - senão a única - que aconteceu no nosso futebol nos últimos anos. Mas a queda do Corinthians foi a brecha que o sistema queria para tentar a volta das tais disputas por mata-mata, como se toda a essência da nossa paixão pelo futebol fosse originária disto.

A Globo já se manifestou oficialmente favorável à volta do antigo sistema, e como seu poder no meio é maior do que deveria ser, não ficaria surpreso se o clã Marinho tivesse sua vontade atendida.

Eu já fui um defensor dos mata-mata, mas meu bom senso me obriga a pensar diferente. Sem mais firulas, vou direto aos motivos que me fizeram mudar de idéia.

Motivo 1: Justiça
Não resta a menor dúvida de que o melhor clube de um campeonato é corretamente definido ao longo de 38 rodadas por pontos corridos do que após apenas 19 seguidas de confrontos de mata-mata. Para o principal campeonato de um país, que além de ser a base de todo o futebol nacional serve para classificar seus times para torneios continentais, o quesito "justiça" é imprescindível. Não se pode mandar para uma Libertadores times que tenham se classificado em um campeonato definido na imprevisibilidade dos play-offs. Todo o continente europeu, reduto do mais fino futebol praticado no mundo, não pode estar errado.
Aproveito aqui para fazer uma pequena digressão sobre o assunto. Quando se fala sobre play-offs a comparação com os esportes norte-americanos é inevitável. Afinal, ninguém no mundo transforma esporte em show como fazem os americanos. Temporadas coordenadas e intercaladas, organização voltada para o entretenimento e milhões de dólares investidos fazem do esporte norte-americano um mundo à parte. Muito disso se deve à cultura dos play-offs, quando as emoções são catalisadas, jogos se decidem nos últimos minutos e atletas se transformam em mitos. Não nego que páro para ver as finais do futebol americano, basquete e até do beisebol.
Parece até que estou me contradizendo, mas não é verdade. Práticas dos EUA podem e devem ser copiadas, mas quanto ao sistema de mata-mata há um grande porém: a natureza de cada esporte. Quem joga melhor uma partida de algum dos esportes americanos se torna o vencedor; se a peleja é decidida nos últimos segundos, ou em algum lance isolado de genialidade/infelicidade, é porque a disputa foi tão acirrada que qualquer dos lados que cometesse esse lance mereceria ser o vencedor/perdedor. E mesmo assim, com exceção do futebol americano, as disputas são decididas em melhor de 5 ou 7 partidas, para não deixar dúvidas sobre quem é o melhor.
No futebol, isso é bem diferente. Nem sempre - e não raramente - aquele que joga melhor uma partida termina com a vitória. Não é justo que o bom trabalho de um ano inteiro seja prejudicado por apenas alguns segundos. E é impensável em fazer um mata-mata em uma melhor de 7 jogos no futebol. Infelizmente, a fórmula que privilegia a emoção não se ajusta à justiça necessária aos campeonatos nacionais.

Motivo 2: Organização do futebol brasileiro
O São Paulo tem reconhecidamente a melhor organização do futebol brasileiro. Dos cinco campeonatos por pontos corridos, o Tricolor paulista terminou duas vezes em 3o e duas vezes com o título (até com certa facilidade). Seu modelo de gestão do futebol deve servir de exemplo para os demais clubes do Brasil, e não ser a exceção. No curto prazo é difícil, mas é a única saída para o nosso futebol se quisermos fazer a menor oposição que seja ao poderio europeu. Ou nos organizamos ou morreremos.
O campeonato por pontos corridos força os clubes a fazerem o tal planejamento, reorganizarem as finanças, reter craques, etc, etc. É tão chato quanto óbvio repetir esses pontos; e tão necessário como urgente que essas mudançs ocorram. Não só na Série A como na Série B, e só a fórmula por pontos corridos pode proporcionar tal "revolução". Para o bem do futebol brasileiro.

Motivo 3: Motivos 1 e 2
Desculpem-me os românticos, mas qualquer motivo alegado por eles - emoção, graça, tradição - tem que ficar em segundo plano em virtude dos meus dois primeiros motivos. Apesar deste ser um assunto polêmico, sou da posição que as razões para se perpetuar o método dos pontos corridos são poucas mas de incomparável relevância. Se eu gosto de mata-mata? Adoro. Se acho válida a diferenciação de bons jogadores dos grandes jogadores, de decisão? Claro. Mas esses adereços devem se restringir aos torneios de internacionais e de Seleções, pois nestes já se parte do pressuposto que apenas os melhores os disputam - justamente por terem vencido em campeonatos por pontos corridos.
É também uma mentira sem tamanho dizer que os pontos corridos privam o torcedor da emoção da disputa. Os momentos de catarse de uma final até podem ser atenuados, mas distribuídos ao longo de 38 rodadas fazem com que todo o campeonato seja importante, e salvo exceções (como a edição de 2007) emocionante para a maioria dos times até a última rodada.

Se inteligência e bom senso norteassem o esporte brasileiro estaria tranquilo, pois o futuro dos pontos corridos estaria assegurado. Mas como sabemos que a afirmativa não é verdadeira, esse futuro é nebuloso. Quem acabará decidindo será um grupo formado por dirigentes incompetentes, que buscam a mediocridades geral para que o baixo nível os propicie alguma chance de sucesso; uma empresa de mídia que detém o monopólio das transmissões futebolísticas do Brasil, e que pela própria natureza capitalista só pode pensar nos seus próprios balanços positivos; e por uma confederação que não dá a mínima para o esporte que controla.

Resta a nós, torcedores, apenas torcer.

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