Primeiramente, os pontos em comum.
As duas seleções eram queridas do povo, apresentando um futebol vistoso que encantava não só os brasileiros como todo o mundo. Se em 50 empatamos um jogo na primeira fase contra a Suíça, em 82 tivemos um começo de jogo nada animador contra a URSS, saindo atrás do marcador e só depois impondo a supremacia brasileira. As duas eram apontadas como francas favoritas no jogo em que se depararam com a derrota, quando precisavam apenas de um empate. A tristeza tomou conta do Brasil após o final dos dois jogos, sendo prontamente substituída por uma caça às bruxas. Se em 50 o goleiro Barbosa foi apontado como o grande responsável por ter deixado seu canto esquerdo aberto para o chute de Ghiggia, em 82 foi o passe no vazio de Cerezo que causou a volta para casa da Seleção Canarinho.
O time de Flávio Costa e o de Telê Santana ficaram marcados, em suas respectivas épocas, pelo retumbante fracasso. Mas as circunstâncias dessas duas derrotas foram diferentes, e os anos seguintes trataram de trazê-las à tona.
A Copa de 1950 foi organizada, construída e festejada para o Brasil ser campeão. Com a Europa ainda de joelhos no pós-guerra e sendo a sede do torneio, parecia claro que finalmente ganharíamos uma Copa do Mundo. Naquela época nosso futebol não tinha a imagem que tem hoje e imperava o 'complexo de vira-lata', quando nos colocávamos abaixo inclusive dos rivais sul-americanos. Mais do que uma vitória esportiva, a taça traria para o povo brasileiro a auto-confiança que lhe faltava. Os meios de comunicação da época propiciavam o surgimento de lendas e mitos, já que imagens eram raramente vistas e o jogo dependia do ponto de vista de testemunhas oculares.
Em 1982, por outro lado, o torneio foi realizado na Espanha, e apenas uma vez um time não europeu havia vencido uma Copa no Velho Continente, - o time de Didi, Pelé e Garrincha em 1958, contra a Suécia - feito que se sustenta até hoje. O Brasil já era a maior potência do futebol mundial, tendo revolucionado o esporte décadas antes com a genialidade e improvisação dos seus jogadores. A Jules Rimet já era nossa em definitivo, ainda não tinha sido roubada e apenas 12 anos nos separavam de 1970. Jogos inter-continentais já eram transmitidos a cores para o mundo todo, com direito a replay e assinatura do goleador na tela.
Os três gols de Paolo Rossi ficaram entalados na garganta por anos, mas foram digeridos. Já o Maracanazzo destruiu o moral de um país inteiro e estigmatizou para sempre uma geração de craques. No primeiro caso, sofremos uma derrota doída demais, mas é possível superar tal dor - como o fizemos. O rótulo de tragédia cabe ao segundo, e nessas ocasiões dificilmente temos sobreviventes.
A geração de 82 seguiu em frente. Cerezo, o do passe errado, e Telê, o do pé-frio, sofreram por algum tempo, mas deram a volta por cima dez ano depois no São Paulo; Júnior conquistou mais dois títulos brasileiros pelo Flamengo; Zico inventou o futebol japonês e virou técnico de sucesso; Sócrates até hoje é considerado o maior jogador da história do Corinthians, e assim por diante. Mesmo não sendo campeão, aquele time é reverenciado por todos. A redenção veio para a geração de 82, mas não para a de 50.
São poucos hoje os que se lembram da escalação do dia do Maracanazzo. Só Barbosa continua na lembrança, pelo erro que supostamente cometeu no segundo gol uruguaio. O engraçado é que poquíssimas pessoas viram o lance, já que a imagem gravada foi feita de trás do gol, o que não permite que se veja direito o que aconteceu - muitos dizem, inclusive, que Barbosa fez o certo em fechar o cruzamento e que o chute direto de Ghiggia era impovável. Nada disso fez diferença pois precisava-se de um culpado, e o goleiro negro do Vasco foi o escolhido. Morreu em 7 de abril de 2000, na Praia Grande, esquecido e amargurado com a culpa que carregou por quase cinquenta anos.
Vi uma resprise no Globonews alguns anos atrás sobre os trinta anos da derrota de 50. Era impressionante o rancor que os jogadores carregavam daquele jogo, inclusive entre esles próprios. Juvenal, Bigode e Barbosa, os três brasileiros diretamente envolvidos no lance do segindo gol uruguaio, jogavam a culpa um para o outro, como se buscassem a absolvição através da desgraça alheia. E tudo isso três décadas depois! Já há dez dias atrás, no aniversário de 25 anos de Sarriá, o Sportv fez programa semelhante com todos os jogadores de 82. A única mostra de ressentimento veio do Oscar, que disse ter havido excesso de confiança, e de Paulo Isidoro, por ter ficado na reserva. Porém, uma opinião era unânime: todos tinham orgulho de terem participado daquele time. Assim como todos nós também temos.
Fazemos festa pela Seleção de 82, mesmo com a derrota. Mas duvido que daqui três anos, com os 60 anos da tragédia do Maracanã, alguém se lembrará com ternura de Barbosa, Augusto e Juvenal; Bauer, Danilo e Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico. Para eles, a redenção não veio e a culpa é eterna.
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